Como escrever uma introdução de um trabalho acadêmico?

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A introdução é a primeira parte do trabalho acadêmico com a qual o leitor tem contato. É a porta de entrada de uma pesquisa que pode ter durado meses e até anos para ser realizada. Ela pode gerar uma grande vontade de ler ou a desistência de querer saber mais sobre o estudo, determinando, assim, seu sucesso ou fracasso.

Existem várias maneiras de fazer a introdução. Aqui apresento uma possibilidade a partir de observações de outros trabalhos e o que acredito fazer sentido para uma pesquisa qualitativa em sua maior parte, com alguns pontos úteis também para pesquisas quantitativas. Uma perspectiva que aposta na conexão da pesquisa com o mundo real, trazendo questões acadêmicas com o amadurecimento da compreensão do estudo.

Problema de pesquisa

A introdução começa com a apresentação do problema de pesquisa. Toda pesquisa resolve um problema que pode ser teórico ou alinhado com o mundo real. Particularmente, prefiro quando o texto dialoga com as questões do mundo real, o mais próximo do cotidiano do leitor, pois é de mais fácil compreensão. É esse o caminho que abordo neste texto. Se quiser saber mais, tenho outro texto que fala disso.

Nas ciências tradicionais é mais fácil identificarmos o problema a ser resolvido pela pesquisa. Imagine engenheiros que estudam se um determinado material de construção suporta grandes pressões. Que problema isso resolveria? Podemos imaginar que um prédio pode cair caso não seja construído com um bom produto. O desabamento seria um dos problemas que poderiam ser resolvidos tendo certeza de que material utilizado é seguro.

As pesquisas sobre materiais de construção dão segurança à construção de grandes prédios

Contextualização do problema

No entanto, um problema precisa bem desenvolvido para ser compreendido. Desse modo, falar do problema implica descrevê-lo, trazer mais informações sobre ele, isto é, contextualizá-lo bem. No caso do material de construção, é preciso entender que tipo de desabamentos podem acontecer, os prejuízos associados, que tipos de materiais estão relacionados e assim por diante.

Na redação do problema, é preciso definir do que se trata o problema e também limitá-lo, já que podem existir inúmeras questões associadas a ele. No caso do material de construção, pode ser que ele esteja relacionado a engenharia, arquitetura, química ou pode ser que existam muitas informações disponíveis que leve a muitos caminhos de investigação. Diante disso, é necessário um foco, um caminho a ser escolhido e seguido. Ter foco, definição e limites ajuda a mostrar o que é o problema, o que precisamos entender nele e que evite que o leitor e o pesquisador se percam em um mar de ideias.

Esse movimento de buscar sempre um foco, restringir um caminho, nos leva a um movimento natural de primeiro falar do geral e depois do específico. As ideias devem fluir das mais amplas para as mais particulares, com o problema ficando cada vez mais perto da pergunta de pesquisa. A pergunta é o foco mais restrito do que se quer investigar naquela pesquisa.

Essa contextualização do problema pode ser construída a partir de algumas abordagens de informação. A primeira é o histórico, que pode apresentar uma evolução de como ele foi abordado no tempo, seja ele real ou teórico; Podem ser utilizados fatos ou dados também para mostrar o problema. Um contexto sociocultural pode ajudar a localizá-lo socialmente, principalmente em trabalhos que dialogam com questões sociais. Ainda há algumas abordagens retóricas como o uso de perguntas para guiar o pensamento e relatos pessoais em caso de problemas que lidam com subjetividades.

Interpretação teórica e metodológica do problema

Depois de o leitor ter entendido bem o problema numa perspectiva próxima de sua realidade, chega a hora de ele ser desenvolvido de outra maneira. Essa maneira tem relação com os conceitos, teorias e método utilizados. É neste momento que o leitor vai entender como o pesquisador enxerga o problema alinhado com seu referencial teórico e procedimentos metodológicos.

Neste ponto o pesquisador deve saber qual é a teoria que explica para ele o problema. A teoria vai fornecer as ideias necessárias para se conseguir pensar bem a investigação a ser feita. Se for uma teoria da engenharia, ele deve explicar como a engenharia entende aquele objeto. Se for uma teoria específica com conceitos específicos, que mostre como o problema é definido por esse conhecimento. Essa é a hora de mostrar para que serviram os estudos e suas afirmações do referencial teórico.

No caso do método, o texto irá mostrar como será a investigação por meio do método. Se é um estudo de caso, como será analisado o caso? Se é uma fenomenologia, como será analisado o fenômeno? Se for uma análise de discurso, como o discurso será analisado? Se for um estudo exploratório, como será explorado? E assim por diante. Nessa hora será mostrado para o leitor o papel do seu método e como será, em linhas gerais, sua estratégia para fazer suas descobertas.

É aqui que o pesquisador mostra como organizou o problema em sua mente, como ele estruturou tudo que sabe sobre sua pesquisa. O problema que parecia algo banal e comum, apoiado em fatos dados e outras informações, passar ser parte de uma trama teórica e metodológica. É o momento de o pesquisador dizer “esse problema pode ser compreendido pela teoria da seguinte maneira…” ou “o problema pode ser investigado pelo método da seguinte maneira…”.

Isso tudo somado da pergunta de pesquisa é o que considero como sendo uma problemática, um sistema que dá sentido a todas as informações importantes para entender a investigação em curso. É ela que conecta as principais informações sobre seu estudo em um todo coerente.

Pergunta de pesquisa

O grande final de todo o texto sobre o problema de pesquisa é a apresentação da pergunta de pesquisa. Depois de tudo que foi desenvolvido, o leitor já está preparado para entender a pergunta. O movimento de funil, que começou do geral, finaliza com o que há de mais específico no problema, o pequeno recorte do que será investigado diante de tudo que foi exposto.

A pergunta de pesquisa deve ser específica e trará informações sobre o objeto de estudo, o problema, a revisão de literatura, o método e os resultados. Tudo isso de maneira breve, com poucas palavras, dando definição à pergunta.

No caso dos meus estudos sobre a experiência no São João, posso dar exemplo de uma possível pergunta: “Como acontece a experiência do consumidor no São João em 2022 sob sob a lente da fenomenologia?”. Note que aqui eu aponto diretamente para as experiências que serão descritas nos resultados; indico a teoria com o termo “experiência do consumidor” assim como o objeto “do consumidor no São João” e do método “lente da fenomenologia”. Tudo isso naturalmente deve ter sido explicado na contextualização do problema. Apenas um breve exemplo.

O texto sobre o problema de pesquisa vai afunilando o foco até chegar na pergunta de pesquisa

Objetivos

Os objetivos são exigidos em alguns tipos de trabalho acadêmico ou são utilizados em substituição à pergunta de pesquisa. Podem ser de dois tipos: objetivo geral e objetivos específicos.

O objetivo geral tem função semelhante a pergunta de pesquisa, indicar o foco da pesquisa. Por isso ele pode ser criado transformando a pergunta de pesquisa com alteração da forma verbal e a adição de uma verbo no infinitivo (estudar, analisar, descrever, indicar etc).

Nossa pergunta de pesquisa de exemplo que ficou como “Como acontece a experiência do consumidor no São João em 2022 sob sob a lente da fenomenologia?” se transformaria em objetivo na seguinte forma “descrever como acontece a experiência do consumidor no São João em 2022 sob sob a lente da fenomenologia”.

Já os objetivos específicos são uma maneira de dividir o objetivo geral em partes menores e seguem estrutura textual igual. Eles ajudam a indicar o caminho percorrido na construção do conhecimento e servem como indicadores de progresso da pesquisa. Cuidado para não confundir com os passos da metodologia ou da redação do trabalho.

Uma maneira simples de criar os objetivos específicos é pensar na divisão dos resultados em partes. Duas possíveis configurações apontam para os diferentes resultados encontrados em diferentes fases da análise ao longo do tempo ou simplesmente a divisão em partes de tudo que se descobriu.

Justificativa

Nesta parte se atribui a justificativa para o estudo ter sido realizado. Isso fica mais claro quando imaginamos que uma pesquisa utiliza recursos tal como projetos empresariais. Podemos imaginar isso no caso de grandes empresas pesquisa que pleiteiam recursos em editais ou iniciativas de pesquisa e desenvolvimento em empresas. Entretanto, mesmo em TCCs são gastos recursos como tempo e mão-de-obra especializada dos professores.

Dito de outra maneira, a justifica dá um porquê para o estudo ter sido feito; é a demonstração da importância do estudo, da sua relevância. Pode se tornar mais evidente ainda destacando a necessidade de algum agente do mundo real ou acadêmico como é o caso de grupos, organizações, teorias etc. Isso tem um efeito retórico importante e pode aguçar o interesse do leitor.

Existem algumas maneiras tradicionais de se fazer a justificativa. A primeira é deixando claro a lacuna ou originalidade do estudo. A lacuna é a ausência de determinado tipo de trabalho no universo acadêmico. Justifica-se então a necessidade do estudo porque ele não foi feito ainda e traz algo novo para se conhecer o mundo.

Por exemplo, detectei que existiam artigos sobre o São João sob a perspectiva econômica, cultural e política, mas não da experiência do consumidor. Logo, meu estudo preenche uma lacuna pois não existem estudos nesse âmbito ao mesmo tempo que traz uma abordagem original para o objeto de estudo. No texto, é recomendado indicar a lacuna mostrando grupos de pesquisas que já existem e como seu estudo dá conta da brecha identificada.

Pode-se ainda criar a justificativa mostrando a necessidade teórica ou prática. A necessidade teórica pode ser identificada mostrando como seu estudo aprimora, questiona ou revoluciona algum aspecto de alguma teoria. Já a prática mostra como seu estudo pode ser útil para resolver algum problema prático, o que fica mais fácil de construir quando se tem uma boa compreensão do problema de pesquisa.

Por fim, pode-se mostrar a necessidade do estudo por meio de benefícios éticos ou sociais. Apesar dessa justificativa poder ser utilizada em diferentes estudos, é mais utilizado naqueles que dialogam com questões sociais, culturais e humanas. Um exemplo seriam investigações sobre a história de algum região que está associada a necessidades desse povo compreender suas origens.

Estrutura do trabalho

Pode-se finalizar a introdução com um spoiler do trabalho, isto é, uma prévia do que o leitor irá encontrar. O grande eixo aqui pode ser a pergunta de pesquisa e como seu trabalho irá respondê-la destacado a função de cada seção nisso. Além de indicar toda a estrutura do trabalho, é possível explicar por que ele foi organizado da maneira que está. Ao mesmo tempo em que isso situa o leitor no longo texto, como um mapa, desperta a curiosidade e interesse em descobrir o que está por vir.

Observações

Uma observação é a de que a redação da introdução pode acontecer depois que estiverem escritos os resultados, o referencial teórico e os procedimentos metodológicos. Desse modo, a redação flui mais e previne “brancos” na hora de escrever, porque a pesquisa já está amadurecida. Pode acontecer também de processo de pesquisa ser muito bem conhecido. Nesse caso, a redação pode fluir mesmo se o pesquisador optar por começar a escrever o trabalho pela redação. Isso porque a introdução vai lidar com questões que aparecem em todas as fases da pesquisa e caso não se conheça algo, é possível que se fique sem recursos para escrever.

Outra observação é de que é interessante que o texto seja planejado. É importante ter uma visão mesmo que básica de tudo que se vai escrever antes de ir para o teclado. Com isso, é possível visualizar e organizar as ideias para que tenham a estrutura lógica apontada neste texto.

Assim, finalizamos aqui uma breve explicação de como fazer uma introdução. Apresentamos os principais elementos utilizados e o básico de como eles devem ser desenvolvidos. Relembro que há muitas maneiras de fazer uma introdução, mas esta estrutura pode ajudar bastante aqueles que ainda estão perdidos e que precisam estruturar suas ideias sobre a apresentação do trabalho.

Professor Rodrigo

Doutor em Administração, professor e pesquisador há mais de 10 anos.

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