A inteligência artificial vai dar certo? A visão da experiência

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Alguns dias atrás fiquei espantado com uma dublagem feita por inteligência artificial. A fala de um ator muito famoso foi dublada quase perfeitamente, preservando a voz original e a expressão facial. Para quem ainda não viu, compartilho logo abaixo.

Esse é apenas um exemplo do potencial das novas tecnologias com que a humanidade terá que lidar nos próximos anos. Inteligência artificial, realidade aumentada, robôs, internet das coisas, muitas ferramentas começam a fazer parte do nosso cotidiano em versão beta.

Não é a toa que dizem estarmos vivendo a quarta revolução industrial. É uma revolução mesmo. Do mesmo jeito que a internet mudou nossa existência e não conseguimos mais viver sem ela, parece haver um grande plano para que essas novas ferramentas causem um efeito semelhante.

O que me intriga não é o poder dessas tecnologias, mas como nos relacionaremos com elas. Será que é melhor termos uma telefonista robô ou uma humana? Será o robô mais eficiente para todos os envolvidos ou é apenas uma alternativa menos custosa para a empresa e mais estressante para o consumidor?

E o consumidor com isso?

Essas são questões que podem ser analisadas segundo a experiência do consumidor. Como já falei em outro texto, esse campo estuda as reações dos consumidores quando sob influência das organizações.

Nessa perspectiva, é importante entender o modo com que os consumidores utilizam e como reagem a produtos e serviços. Por exemplo, as pessoas utilizam carros não só para se locomover, mas para se sentirem confortáveis e até especiais, como status elevado.

Assim, investigações semelhantes podem ser aplicadas às novas tecnologias. Para que iremos utilizar a inteligência artificial? Como usaremos? Que sensações essas tecnologias despertam? Será melhor ou pior em que aspectos diante do que conhecemos do ser humano? Vamos nos adaptar facilmente a elas?

Noto no discurso vigente um tom otimista e banal, tomando as mudanças que virão como simples, como se tudo fosse bastante previsível e já definido. Acredito que a experiência do consumidor está sendo subestimada. Chamo a atenção aqui para dois casos: as aulas remotas e o metaverso.

As aulas remotas na pandemia

Em 2020 nos deparamos com uma pandemia mundial que nos obrigou a ficar isolados dentro de nossas casas. Com isso, as aulas no ensino superior passaram a acontecer de modo remoto.

Não era totalmente nova a ideia de ter aulas por videochamada. Já existiam inúmeros cursos online e as pessoas costumavam assistir lives, como as do instagram e youtube. Ou seja, parecia óbvio que essa modalidade de aula seria adotada com sucesso. mas não foi bem assim.

Depois de algum tempo, presenciei os alunos reclamarem muito das aulas remotas. Diziam que era cansativo, que não conseguiam aprender e que estavam desejando retornar a ter encontros presenciais. Isso só para citar alguns de vários problemas.

Um dos mais importantes elementos que contavam para essa situação era o mágico contato humano. A experiência presencial do aluno com o professor parecia insubstituível.

O simples contato presencial com o professor causa um grande efeito nas aulas

As sensações de ter o mestre diante de si proporcionam uma vivência única. Trata-se de algo parecido com o que acontece na música. Uma coisa é ver o show da sua banda preferida no Youtube; outra coisa é estar em um show de verdade, com o artista na sua frente. Isso foi percebido e, com o tempo, as aulas presenciais retornaram.

O deslize do metaverso

O metaverso é uma tecnologia em que o usuário se torna um avatar e emerge em um mundo totalmente virtual. Esse espaço digital foi uma grande aposta do então Facebook que até mudou seu nome para Meta em referência a esse universo.

O seu lançamento ganhou grande destaque na mídia e várias empresas se apressaram para lançar suas soluções para o produto. Apesar do grande apoio empresarial, é até hoje discreta a participação do público.

Os consumidores não se mostraram propensos à imersão do metaverso

Especialistas argumentam que esse mundo virtual contou com problemas de funcionamento. Como, por exemplo, a exigência de óculos especiais e caros para a vivência na plataforma, além da necessidade de internet com altíssima potência.

Esse é mais um caso de implementação de uma tecnologia que esbarrou nos problemas de experiência. Os planos estratégicos tinham a confiança de gigantes do mercado e foram amplamente divulgados, mas o usuário não comprou a ideia.

Isso nos mostra que aconteceu algum problema no visão da experiência. A tecnologia em si e sua promessa não são suficientes para cativar o consumidor.

A lógica invertida

Esses dois casos ilustram bem como toda essa “fé” nas novas tecnologias pode estar criando um problema: negligenciar como os seres humanos vão reagir a todas essas novidades.

Acredito que a visão da questão esteja invertida. Parece haver um excesso de foco nas ferramentas. Isso faz com que acreditemos que as pessoas servem às tecnologias. Na verdade, o fluxo deve ser oposto: são as tecnologias que servem às pessoas.

Claro que os insights dos criadores são importantes. O ilustre caso de Steve Jobs e os produtos da Apple nos mostram que muitas vezes os consumidores só sabem que querem um produto depois de ser oferecido a eles. Nenhuma pesquisa de mercado previu a criação de um Iphone.

Por outro lado, não podemos fechar os olhos para os problemas, fracassos e até os sofrimentos possíveis na implementação de novas tecnologias. E a chave para evitá-los é entender o consumidor.

Sendo assim, se torna cada vez mais importante entender a experiência do consumidor. Prever e observar como são utilizadas as ferramentas, as reações, como pensamentos e emoções, e suas intepretações desse novo universo.

O ser humano é profundo e complexo e não tão previsível quanto uma máquina. Quanto mais usarmos toda nossa razão e sensibilidade para compreendê-lo, mais próximos chegaremos de uma evolução próspera não só para o consumo mas para a humanidade.

Os dramas do futuro

O relacionamento entre seres humanos e as novas tecnologias, como a inteligência artificial, foi abordada em algumas histórias hollywoodianas. É o caso dos filmes A. I. e Jogador Nº1.

O filme I.A. mostra a história de um robô criança programado para sentir emoções. Ele é adquirido por uma família e exerce um papel de filho. Todo o drama da história nos mostra como serão as possíveis relações entre humanos e robôs.

No filme Jogador Nº1, um mundo virtual semelhante ao metaverso é uma espécie de refúgio para um mundo precário e de muita pobreza. A história mostra como o universo digital pode se entrelaçar com a vida real e ditar os rumos da humanidade.

Os dois filmes oferecem boas reflexões sobre experiência do consumidor pois mostram de maneira profunda como as pessoas se relacionariam com as novas tecnologias.

Questões humanas desse consumo peculiar podem levantar questões como: de que maneira os robôs fariam parte de uma família? Como o poder ficaria associado a essas ferramentas? Como seriam as amizades em um metaverso? Que profissões seriam exigidas nessa realidade? Como seria a busca pela felicidade em um mundo com essas novas tecnologias? Apenas algumas reflexões importantes para compreendermos comoo ser humano se encaixa nas equações sociais associadas às novas ferramentas.

Notem que o que expus aqui não foi um ponto final nessa história. Estamos apenas na manhã de uma nova era e não sabemos exatamente o que pode acontecer. No entanto, me parece que entender das ferramentas e também dos seres humanos é uma chave para nos prepararmos para o que virá.

Professor Rodrigo

Doutor em Administração, professor e pesquisador há mais de 10 anos.

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