Uma das minhas grandes inquietações enquanto professor e pesquisador é perceber a grande dificuldade dos alunos em realizarem trabalhos acadêmicos. Por esse trabalho eu me refiro a trabalhos de conclusão de curso (TCCs), artigos científicos, dissertações, teses entre outras variações destes. Eles envolvem a realização e a comunicação de uma pesquisa.
Noto que existem duas grandes dificuldades. A primeira é uma falta de afinidade com o assunto uma vez que nem todos gostam de pesquisar. A outra é técnica, uma vez que fazer pesquisa é algo bastante específico e exige habilidades peculiares que podem ser difíceis para adquirir com pouco tempo de estudo. Nesses dois casos, entender o que é uma pesquisa ajuda bastante. Às vezes, não se gosta de algo porque não se conhece, além disso, não se domina nenhuma técnica sem uma compreensão clara do que é necessário fazer.
Minha explicação aqui será pragmática, voltada para a prática e, por isso, não vou me ater a discussões teóricas profundas sobre o que é uma trabalho acadêmico. Com isso, acredito que quem não gosta ou não domina pode melhorar essas duas questões e, caso se interessarem, podem posteriormente se aprofundar sobre o tema.
Conhecer é preciso!
Gostaria de convidar os leitores a esquecerem um pouco as questão cotidianas relacionadas a TCCs, artigos etc. Esqueçamos um pouco as exigências de se formar e de ter um currículo recheado. Não é por essas razões – de carreira ou mercado – que existem os trabalhos acadêmicos na sua essência.
Primeiro, esse tipo de trabalho nada mais é do que conhecimento. Os seres humanos tem necessidade de conhecer. Temos dúvidas todos os dias sobre infinitas questões. Queremos saber como é um país que pretendemos viajar; queremos saber quanto custa a pasta de dente; queremos saber o que as pessoas pensam de nós. Temos dúvidas porque não sabemos de assuntos necessários para nossa vida.
Notem que todas essas situações que mencionei podem ser resolvidas facilmente com pequenas pesquisas. Quanto custa a pasta de dente? Basta pesquisar pelos preços na internet. Fácil. No entanto, em alguns momentos da história os seres humanos se deparam com perguntas mais difíceis de responder. Os portugueses se perguntaram de poderiam cruzar os mares e encontrar novos continentes; Freud ficou intrigado com certas doenças mentais que não tinham solução; Newton queria saber que força levou uma maçã a cair de uma árvore em sua cabeça. Todos os dias nós queremos saber quem somos, quem criou o universo, por que sentimos amor ou como é possível um avião mais pesado que uma casa voar livremente no céu.
Algumas questões são mais difíceis de responder e exigem mais cuidado e esforço para a resposta. E precisamos da resposta. Os seres humanos querem conhecer, tem dúvidas, querem saber como viver melhor, com o fazer suas tarefas melhor, querem sobreviver, querem ir além, por isso tudo precisam responder essas questões difíceis.
Grandes desafios exigem grandes soluções. E, ao longo da história, o ser humano procurou maneiras seguras de conhecer o mundo e a si mesmo. Dessa necessidade de conhecer surge a pesquisa! Um modo de gerar conhecimento. Arredondando certas perspectivas teóricas sobre esse termo, conhecimento tem a ver o que entendemos por informação, tudo aquilo que nos informa sobre como o mundo é, como funciona. Vamos entendê-lo aqui assim para facilitar esse nosso primeiro contato: conhecimento é tudo aquilo que nos faz conhecer algo importante para nossas vidas.
Então, quando as universidades pedem que você crie um trabalho acadêmico, elas esperam que você crie conhecimento. Elas esperam que você contribua para o mundo trazendo algo que ainda não conhecíamos dentro da sua área de estudos. É a oportunidade de você marcar a história com algo novo, original, tornando a inteligência coletiva mais sábia sobre alguma coisa. É um chamado para você descobrir, como já comentei em outro texto.
Conhecer sim, mas conhecer o quê?
Conhecer é preciso, já sabemos, mas conhecer o quê? O mundo acadêmico é organizado e dividido em partes orientadas pelo interesse e capacidades dos pesquisadores. Grosso modo, para você ter uma ideia disso, podemos pensar nas disciplinas: a engenharia estuda as edificações; a sociologia, as pessoas em sociedade; a antropologia, a cultura; a medicina busca tratamento e cura pra doenças do corpo e assim por diante.
Lembrando que para cada parte existem subpartes. A Administração é uma disciplina que se subdivide em outras menores como Gestão de Pessoas, Operações, Finanças e e Marketing; o Marketing por sua vez conta com ramificações tais como Comportamento do Consumidor, Cultura de Consumo e assim por diante.
Então pode-se se conhecer sobre tudo no mundo, as pessoas, a sociedade, as substâncias, as empresas, as casas e até mesmo os alienígenas. Pode-se conhecer tanto questões mais amplas, com a sociedade, como as mais específicas, como as relações amorosas entre casais. Entender o que as coisas são, como funcionam, o que causas os fenômenos e até mesmo como interpretar os fenômenos por pontos de vista diversos.
Quando me refiro a descobertas na seção anterior, quero dizer que a pesquisa produz conhecimento novo, mas não que necessariamente sempre seja algo revolucionário. É possível descobrir grandes mas também pequenas coisas, bem específicas, que complementam outros conhecimentos; é possível entender algo melhor do que já foi feito; ter uma nova leitura de algo que já é conhecido, dentre outras possibilidades.
O trabalho acadêmico como um produto de conhecimento
Agora posso falar para vocês de uma conclusão bem pragmática do que é um trabalho acadêmico: é um produto de conhecimento. Produto porque tem um papel prático em nossas vidas. Ele tem uma função, que é a de fazer o leitor conhecer mais sobre alguma coisa. Ele também resolve um problema, já que o ser humano precisa de conhecimento para resolver diversos problemas, desde cotidianos, como doenças, até existenciais, como entender o propósito da vida. Ele tem um modo de resolver o problema que é o método, um modo de gerar conhecimento.
Vou agora falar para você dos meus estudos sobre experiência do consumidor como exemplo. Entender, por exemplo, a festa de São João permite que o público conheça mais profundamente sobre essa festa, é sua função. O que pessoas fazem? O que sentem? O que pensam durante essa festa? Saímos aí do conhecimento superficial da experiência direta e comum das pessoas para entender mais detalhes sobre o fenômeno.
E estudar a experiência do são joão resolve qual problema? Imaginem que existem milhares de pessoas envolvidas no comércio, divulgação da festa em todo o país. Todos eles produzem com a finalidade de gerar uma festa satisfatória para os consumidores. Eles tem um problema a resolver: como conhecer esses consumidores para entenderem o que querem? Saber mais sobre a experiência dá recursos para atender a essa demanda.
E como é possível gerar conhecimento realmente útil sobre a experiência dos consumidores no São João? Por meio de métodos. Isso envolve principalmente procedimentos de coleta e análise. Coletar dados é um modo de ter contato com o mundo e armazená-lo para pensar mais profundamente sobre ele.
O processo é semelhando a quando vamos fazer um exame de sangue. Os profissionais da saúde coletam nosso sangue para analisá-lo; do mesmo modo, eu coleto dados sobre o São João para analisar. Isso pode ser feito por meio de entrevistas, observações e vivências dentro da festa. Não estaria “coletando” as pessoas da festa para um laboratório, mas coletando suas “ideias” por entrevistas; imagens por fotografias; conclusões anotadas observando com as pessoas vivenciam a festa.
Já analisar dados é pensar sobre o que foi coletado e tirar conclusões. Os profissionais da saúde analisam o sangue por meio de medições, testes e observações em microscópios e tiram conclusões se estamos dentro dos padrões normais ou não. Já no caso do São João, minha análise é a de entender padrões de como vivem a festa, padrões de pensamento, emoção, ação e assim por diante e por meio disto traçar um mapa preciso do que acontece ali. O meio de gerar conhecimento passa por entender o método e essas suas duas partes principais: a coleta e análise de dados.
Essa foi uma primeira parte de como podemos entender um trabalho acadêmico além das pequenezas cotidianas, entendê-lo como modo de gerar e compartilhar conhecimento. Um trabalho acadêmico é sobre conhecer e tem um papel mais prático do que aparenta, podendo até mesmo ser entendido como um produto. Ainda há algumas coisas a ser ditas, o que fiz em um outro texto. Por enquanto fico por aqui. Até mais!
