A teoria pode ensinar a voar?

Um comentário constante de muitos alunos é o de que cursos como administração privilegiam o conhecimento teórico em detrimento da prática da profissão. Não só por parte dos alunos, mas parece existir na sociedade uma grande movimentação de crítica ao modelo teórico de aprendizagem.

Nassim Taleb, o autor de Antifrágil e outros livros, tem falas populares a esse respeito. Ele fez uma crítica por meio de uma metáfora: os pássaros não vão estudar aerodinâmica na universidade para aprender a voar, mas são os teóricos que estudam o voo natural dos pássaros para criar teorias. De acordo com essa visão, os alunos (pássaros) não precisariam da teoria para exercer uma profissão (voar).

O voo dos seres humanos é diferente dos pássaros

É uma metáfora simples e de impacto. No entanto precisamos pensar mais profundamente sobre ela (aliás, refletir sobre metáforas já é um exercício teórico). O caso funciona muito bem para os pássaros, que nunca criaram universidades. Os pássaros são diferentes dos seres humanos, que são chamados de sapiens sapiens por pensarem sobre o próprio pensamento, o que os levam a criar universidades, um esforço para entender melhor os próprios humanos e suas vidas.

Em todo caso, antes que achem que estou entendendo mal a metáfora, sabemos que o ser humano tem uma capacidade natural de aprender, afinal não vamos pra universidade aprender a como subir uma escada ou a como clicar em ícones do celular. Os pássaros e os seres humanos são programados para sobreviver, aprender, criar e gerar soluções. É algo natural em condições normais, assim como é para um pássaro voar. Por outro lado, os seres humanos também possuem uma capacidade sofisticada de pensamento, o que os leva a aprender por meio desse mecanismo teórico. Os seres humanos estudam aerodinâmica para construir aviões e não para aprender o que é possível saber naturalmente.

Pensem aqui comigo. Os pássaros já sabem voar e tudo que é necessário fazer é jogá-los de uma árvore para batam asas e ganhem o céu. Podemos fazer o mesmo com um aluno universitário de administração? Se o aluno não precisa passar por aulas, entender a teoria, para formarmos os melhores gestores bastaria que deixássemos um jovem que nunca viu administração dentro de uma empresa e ele sairia de lá como um presidente bem sucedido e a empresa milionária. O contato com a realidade e a simples prática ensinariam a esse jovem tudo e o problema estaria resolvido, não acha?

Observe o caso da alfabetização, saber falar, ler e escrever em uma língua. Quem passou pela escola e aprendeu com professores e livros em uma grande jornada teórica se comunicar melhor, de maneira clara e até bonita. Já quem não passou pela escola, ou não teve um rendimento adequado, apresenta muita dificuldade em falar, entender o que é dito e às vezes mal sabe escrever. Se o ensino teórico é capaz de ensinar a ler e escrever, por que não seria capaz de ensinar outras coisas?

A crítica à teoria ainda atinge professores. Existem constatações de que professores não podem ensinar sobre uma área em que não possuem experiência. Isso seria o mesmo que dizer que Einstein não entende nada da sua teoria da velocidade da luz porque nunca viajou numa velocidade maior do que a de um carro. Ou que um médico nunca poderia saber o que é um câncer sem ter estado doente de câncer ou que um cardiologista nunca poderia falar sobre doenças cardíacas se não tivesse tido um infarto. Imagine ainda nessa lógica que nenhum professor pode entender o que é ser presidente da Amazon a não ser o próprio Jeff Bezos e a única maneira de os alunos entenderem sobre esse assunto seria vivendo no lugar de Bezos dentro da empresa. Você imagina esse mundo como razoável?

A teoria é sua amiga (se você sabe com ela funciona)

Em um trecho do livro de Nassim Taleb comenta sobre a diferença entre o conhecimento prático e o teórico. O prático vem da experiência de fazer algo e não se consegue falar exatamente sobre ele, é uma maneira de saber intuitiva, sem estar consciente de todos os detalhes. Já o conhecimento acadêmico é explicável, racional, se apresenta na forma de teoria. Nesse sentido, o autor ressalta há uma supervalorização do conhecimento acadêmico e uma desvalorização das práticas nos sistemas de ensino.

O que costumo dizer sobre a teoria a meus alunos é que não conseguimos fazer aquilo que não conseguimos entender, então é preciso primeiro entender para depois praticar. A teoria nada mais é do que a fala sobre o que é a realidade, o que são as coisas, como elas funcionam, como pode-se aprofundar na compreensão das práticas.

A teoria é feita por meio de pesquisa, que além de permitir a descoberta torna possível compreendermos profundamente o que é visto de maneira superficial; observando casos em profundidade e não rapidamente por experiências breves; é construída analisando muitos casos e não só um; passa por um processo de constante critica de diversos autores gerando amadurecimento; conta com um método que permite que o controle de como se chega a conclusões, eliminando o risco de processos aleatórios e confusos na busca por entender o mundo. Ainda vou escrever mais profundamente sobre a teoria e me reservo a neste momento dar uma amostra de como a enxergo.

A teoria pode parecer até certo ponto muito abstrata e inacessível, mas nem percebemos o que aprendemos com ela. É difícil medir o quanto alguém sabe sobre um assunto e talvez isso não permite que os alunos percebam o quanto foram transformados por um curso com elevada carga teórica. Saber muda sua percepção sobre o mundo e tanto essa percepção como o conhecimento são abstratos, intangíveis, difíceis de visualizar. Por isso existem as provas mas…. Vamos deixar as provas para outro momento porque já estou sendo ousado o bastante nesse texto. Em todo caso, essa dificuldade de notar o quanto a teoria influencia no amadurecimento do aluno faz com que muitos não percebam o quanto ela é útil.

Por outro lado, a prática é um momento em que o aluno pode se aproximar da vida real e aplicar tudo que ele soube por meio da teoria. Neste momento ele utiliza não só o conhecimento que aprendeu na aula mas habilidades e outros conhecimentos adquiridos em sua vida, permitindo que ele utilize todo o seu potencial. Ele integra o saber dos livros a sua capacidade de se relacionar, criar, ser motivado por emoções e toda sua capacidade de viver que a condição humana proporciona. No entanto, quanto mais ele entende sobre todo esse universo, melhor pode se sair, como se estivesse em uma viagem como um mapa detalhado para orientá-lo. E quanto mais ele entendeu a teoria, mais detalhado e útil é esse mapa em sua mente. Aliás, todo mapa é pura teoria, apenas um desenho do mundo real, desenhos sobre lugares que não poderiam ser bem compreendidos apenas pela prática do olho nu.

A supervalorização da prática faz enxergar a teoria como um vilão feio e ultrapassado. Uma visão mais madura seria a de que tanto a teoria como a prática são complementadores e necessárias, tendo funções diferentes no processo de formação de um aluno. Há muito mais a ser dito sobre o assunto, o que farei em outras oportunidades aqui mesmo no site.

Você pode me responder agora: a teoria pode ensinar a voar? Ela pode te dizer o que é um voo, como funcionam os ventos, as condições atmosféricas, pode mostrar o caminho por um mapa, pode mostrar como se adequar ao vento e à atmosfera. Sabendo disso tudo, é possível construir aviões e, se pássaros soubessem assistir aula, poderiam voar a lugares que nunca imaginaram que poderiam.