Como encontrar e se dar bem com um orientador?

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Faz parte dos desafios da carreira acadêmica encontrar um orientador. Seja na construção de um TCC ou na pós-graduação, o momento de identificar um guia na jornada acadêmica pode durar meses e até anos não é fácil. Como também não é das tarefas mais simples manter uma relação sem desgastes por todo esse tempo.

Sugiro aqui que os alunos considerem não só a afinidade que possuam com os possíveis orientadores, mas também a expertise dele. Para fins de relacionamento, dou detalhes da minha visão de uma relação profissional equilibrada. Ainda alerto sobre alguns paradigmas que podem ajudar ou atrapalhar nessa tarefa.

A afinidade

A primeira dica de como encontrar um bom orientador parece fazer parte do senso comum. Já vi vários casos de alunos que procuraram professores com quem tinham uma boa relação, algum tipo de afinidade ou admiração. De fato, isso é interessante porque pode vir a criar um clima positivo e motivador para o trabalho.

Uma observação é a de que essa afinidade pode ser não meramente afetiva, mas uma harmonia entre diferentes tipos de comportamento, visões de mundo, valores, crenças, estilos de trabalho ou algo parecido. É como se orientando e orientador pensassem parecido, tivessem vidas semelhantes ou, mesmo se forem diferentes, que se harmonizem e se entendam bem. Isso é suficiente para ter uma afinidade.

Quando esse sentimento é correspondido pelo orientador, aumentam as chances de que aconteça um bom relacionamento e, consequentemente, o trabalho pode acontecer de maneira tranquila. Tranquila no sentido de ambas as partes estarem satisfeitas com a relação e se tornarem mais dedicadas, respeitosas e compreensivas.

A expertise

Por outro lado, há mais um elemento a ser considerado na escolha do orientador: a expertise ou o que ele domina em termos de conhecimentos e habilidades. Os professores possuem uma determinada formação que pode ter começado na graduação e passado pelo mestrado, doutorado e até pós-doutorado.

Cada formação dessa é específica, isto é, o orientador estudou um ou poucos temas, teorias, métodos e até objetos do mundo real. Eles se aprofundaram em questões particulares e não dominam todo o universo de conhecimento. Desse modo, é comum termos em Administração especialistas em uma área apenas como marketing, finanças, gestão de pessoas e operações.

O mesmo vale para orientadores com bagagens focadas na prática, como aqueles com maior tempo no mercado do que nos estudos acadêmicos. Esses profissionais tem experiências limitadas, não dominando tudo de um determinado campo profissional.

Assim, o aluno deve estar atento para escolher um orientador que tenha a expertise necessária para realizar a pesquisa na área que ele deseja. Quando o professor entende bem do assunto que o aluno pretende abordar no seu trabalho acadêmico, a jornada é mais rápida e tranquila.

Como descobrir a expertise do orientador?

Existem várias maneiras de descobrir a expertise do orientador. A maneira mais direta é, simplesmente, perguntar a ele. Uma pergunta simples resolveria o problema, algo como “professor, o que o senhor costuma pesquisar?”, “o que gosta de pesquisar?”, “o que anda pesquisando?”.

Outra maneira bem simples e útil para começar a investigação é observar quais disciplinas o professor leciona. É comum que as disciplinas sejam lecionadas por alguém que tem algum conhecimento na área e, muitas vezes, esse domínio está relacionado com o que o orientador pesquisa.

No entanto, há uma maneira mais eficaz e certeira de identificar a bagagem do professor. Para nossa sorte, as instituições acadêmicas no mundo inteiro têm o cuidado de divulgar seus esforços de pesquisa. Assim, é possível entender muita coisas sobre o orientador com uma simples busca no google.

Sim, nada revolucionário, apenas uma busca no google já é capaz de informar muito sobre o orientador. Mas, acreditem, por mais simples que seja, muitos deixam isso de lado. Então, se você faz apenas isso, já está acima da média!

Pesquisando sobre o orientador na internet

E o que você pode encontrar na internet? Primeiro, as publicações do professor. Muitos dos trabalhos, pelo menos no Brasil, estão disponíveis para acesso em sistemas específicos. Os temas, métodos, teorias trabalhados nos artigos já revelam bastante sobre o trabalho do orientador. Atenção para os trabalhos mais recentes, que são aqueles em que o ele pode estar mais engajado e motivado no momento.

O currículo Lattes tem uma página que busca pesquisadores cadastrados

Na internet você pode encontrar também acesso a sites institucionais que apresentem o currículo do professor, como é o caso do nosso Currículo Lattes. Dentro do Lattes há um sistema de busca que encontra o orientador pelo nome.

Uma vez na página desejada, note o seguinte. Ela está organizada em seções para encontrarmos mais facilmente o que queremos. Três seções considero as mais importantes para nossa questão aqui: formação, produção bibliográfica e projetos de pesquisa.

A formação vai mostrar quais são as graduações e pós-graduações do orientador, assim como encontrar seus trabalhos de conclusão como dissertações e teses e, com isso, já dá para entender em qual área ele se situa.

A produção bibliográfica é o conjunto de publicações como artigos em revistas e eventos. São trabalhos que ele realizou e que ajudam a entender o que ele domina. Focar nas publicações mais recentes pode ajudar a entender no que ele está engajado hoje.

Os projetos de pesquisa revelam algo semelhante à produção bibliográfica, mas podem revelar informações mais detalhas sobre atuais e futuras pesquisas e em quais delas o orientador é líder. Se ele é líder do projeto, é um sinal que ele pode ter grande expertise ou interesse sobre o assunto.

A relação com o orientador

Uma vez encontrados os orientadores, se tiverem alguma ideia do que pesquisar, podem já mandar para ele de 3 a 5 sugestões do que gostaria de pesquisar com o máximo de alinhamento com sua expertise. Você pode já enviar perguntas e problema de pesquisa das opções e, para isso, podem consultar os textos em falo de pergunta e problema e de como fazer a seleção das opções.

Uma vez tendo encontrado o orientador e ele aceitado te orientar, chega a hora de trabalhar com ele. Muitos alunos têm dificuldade e acabam acontecendo relações disfuncionais.

Eu sugiro dois valores importantes para esse tipo de questão: respeito e dedicação. Com respeito você faz o orientador se sentir bem para orientá-lo; com dedicação, você ajuda a você mesmo a avançar na sua pesquisa. A contrapartida também é verdadeira.

Se tem alguma dúvida ainda, pode recorrer ao profissionalismo. Encare a orientação como um trabalho igual aos outros que requer seriedade e comprometimento.

Paradigmas da relação mestre-aprendiz

A relação com o orientador é algo mais profundo do que imaginamos. Isso passa por anos de experiências que alunos têm com professores desde pequeno, além de como as relações com outros alunos e pessoas influentes.

Ao longo dessa minha jornada, identifiquei dois paradigmas, duas maneiras de existir uma relação entre orientando e orientador. Como os paradigmas transcendem nosso momento histórico, vou defini-los como sendo entre mestre-aprendiz.

Paradigma Ferris Bueller

O primeiro paradigma é bem ilustrado no filme Curtindo a vida adoidado. Nele, o professor é retratado um pessoa inconveniente que tenta atrapalhar a felicidade do aluno que enganou a família, fugiu e fingiu estar na escola.

Diante disso, o aluno Ferris entra numa cruzada para sustentar sua aventura. Nesse contexto, o professor passa por muitas adversidades na sua tarefa de descobrir se o aluno está trapaceando ou não. Essa passagem aponta para um visão do professor como vilão. Não que os professores sejam perfeitos, mas essa crença acaba tornando o aluno mais propenso a não dar o seu melhor no processo.

Claro que podem existir deslizes dos professores, mas o que observo é que existe uma pré-disposição, isto é, uma ideia concebida antes mesmo de se encontrar o orientador, que o ensino e a pesquisa são um mal necessário. Nesse caso, não existe prazer no trabalho acadêmico, é uma obrigação pesada, um obstáculo, algo que muitos alunos só conseguem superar “na força do ódio”.

A solução para esse paradigma é o aluno rever sua interpretação do que é o universo acadêmico. Identificar sua ideia pré-concebida e questionar: será que é isso mesmo? Observar os casos de alunos bem sucedidos, que tiveram bons trabalhos, boas relações com os orientadores; os casos de professores que gostam do que fazem e são reconhecidos pelo seu talento; avaliar no que os estudos poderiam ajudá-lo. Até mesmo usar o trabalho acadêmico para algo do seu interesse ou alinhado com seus valores.

Ajuda também entender a lógica desse universo, lendo sobre o assunto no sentido de compreender como funciona e como montar uma estratégia de se relacionar melhor com ele. No meu site há alguns textos como um sobre para que serve a pesquisa, como entender uma pesquisa qualitativa como uma história, sua necessidade de conhecer e sua organização.

Paradigma Daniel-San

No filme Karate-Kid 1, temos um outro tipo de relação mestre-aprendiz. Nele, o aprendiz é perseguido por uma gangue e encontra no karate uma saída para seus problemas, mas não um deles: ele não sabe lutar. Eis que seu mestre Sr. Miyagi decide ensiná-lo e transforma-o em Daniel-San. Nesse caso, o mestre é alguém que é visto como alguém que ajuda na vida do aprendiz, que se dedica e o respeita, mesmo com alguns problemas no meio do caminho.

No paradigma Daniel-San, está claro o valor do professor, que tem algo valioso a ensinar. Não há dúvidas por parte do aprendiz qual é o seu papel e a dedicação que deve ter para aprender o que pode salvar a sua vida. O mestre mesmo imperfeito e até sem modos às vezes, é valorizado, compreendido e faz sua real intenção de ensinar superar as dúvidas do aprendiz.

É nesse paradigma é que está o caminho para uma boa relação com o orientador. No caso, há uma disposição do aprendiz a passar pela aventura de maneira positiva. Isso gera um círculo virtuoso: a boa vontade do aprendiz gera boa vontade no mestre que retribui com mais afinco em sua tarefa, o que gera mas motivação no aprendiz e assim por diante.

Esse paradigma está alinhado com dedicação, respeito, profissionalismo, entender bem quais são os papeis de cada um no processo, ter paciências e superar as imperfeições com vontade de fazer dar certo… Vale a pena ver os dois filmes e tirar suas próprias conclusões.

Claro que os dois paradigmas são fantasias, mundos ideais e não representam 100% a realidade. Mas servem de ponto de referência. No fim das contas, cabe sempre pensar: vale a pena criar um clima tenso numa relação que pode ser incrível? E a iniciativa de dar certo sempre pode partir de qualquer uma das partes e gerar resultados positivos para ambos.

Professor Rodrigo

Doutor em Administração, professor e pesquisador há mais de 10 anos.

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